
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou na última terça-feira (3) a lei que amplia em 30% as cotas para negros, indígenas e quilombolas em concursos federais. “A gente tem que trabalhar para permitir que esse país um dia possa ter uma sociedade com a cara da própria sociedade nas repartições públicas brasileiras", disse o presidente.
A foi comemorada pelo governo e pelo autor do projeto de lei, senador Paulo Paim (PT-RS). "O Brasil é um país extremamente desigual e as cotas criam condições mais equitativas para que todos os membros da sociedade tenham o igualitário a oportunidades e recursos, promovendo assim a inclusão social", afirmou.
No entanto, diversos especialistas discordam do parlamentar e dos representantes do governo que apoiam a medida. Segundo eles, as cotas não garantem igualdade de oportunidades e ainda geram efeitos colaterais graves, como incentivo ao preconceito e a desestabilização do país.
“Em muitos locais onde tais políticas foram adotadas, incluindo os Estados Unidos, elas criaram castas burocráticas e elites racializadas [marcadas por critérios raciais ou de etnia], perpetuando desigualdades reais sob o pretexto de igualdade formal”, aponta o professor Isaías Lobão, doutorando em História pela Universidade de Valência, na Espanha, e professor no Instituto Federal do Tocantins (IFTO).
Segundo ele, embora essa política afirmativa seja promovida sob o pretexto de "reparação histórica" e “inclusão”, sua estrutura e implicações traem os princípios fundamentais da liberdade individual, da responsabilidade pessoal e da igualdade perante a lei.
“Ao premiar ou punir indivíduos com base em características raciais, e não em suas capacidades e ações, o Estado está, na verdade, substituindo a justiça por um sistema de favorecimento político disfarçado de compaixão”, diz, ao pontuar que “a nova lei institucionaliza o preconceito ao impor discriminações legais baseadas em critérios raciais”.
Além disso, o historiador aponta que as cotas geram nova violação de direitos, já que pessoas que não participaram da escravidão ou em atos de exclusão social são punidas por um ado que não viveram.
“Essas medidas falham em cumprir o objetivo de promover os grupos que pretendem beneficiar e geram efeitos colaterais negativos, como desincentivo ao esforço individual, ressentimento entre diferentes grupos e uma perigosa dependência institucionalizada”, explica, ao citar argumentos do escritor norte-americano e doutor em Economia Thomas Sowell.
Negro nascido em 1930 nos Estados Unidos, Sowell se tornou conhecido mundialmente como um filósofo político negro contrário às cotas raciais. “Para ele, a educação de qualidade, liberdade econômica e responsabilidade familiar são fatores muito mais determinantes do que cotas impostas pelo Estado”, explana Lobão, citando ainda o fato de a população negra ter avançado nos EUA antes da existência de cotas, e sem depender delas.
“Tribunais” de cotas lembram Alemanha nazista, alerta educador
O que as cotas trouxeram, na verdade, segundo o doutor em Educação Pedro Caldeira, foi um retrocesso histórico, pois os candidatos deixaram de ser avaliados por sua capacidade intelectual para valorizar apenas indicadores físicos como cabelo, cor da pele e formato do nariz.
“Estilo dos tribunais da Alemanha nazista que atestavam a pureza racial dos alemães", aponta o professor, ao afirmar que quem aceita participar nesses processos “está necessitado de uma aprendizagem acelerada sobre os tribunais raciais nazistas”.
Além disso, ele aponta que o sistema de cotas também contribui para a precariedade da educação básica do Brasil, pois o governo facilita a entrada da população nas universidades e concursos em vez de melhorar o ensino oferecido no caminho. “A tentativa de compensação através de cotas de uma péssima educação básica pública irá apenas perpetuar essa péssima educação pública”, analisa.
Outra questão relevante, segundo Adilson Abreu Dallari, professor titular de Direito istrativo na PUC-SP, é a importância de escolher os candidatos mais qualificados para a prestação de serviços públicos. Isso se dá, afirma, em um concurso baseado no mérito e com tratamento isonômico entre os candidatos.
Aos 83 anos, ele conta que atuou por décadas na istração da capital paulista, e afirma que as cotas instituídas a partir de 2012 ignoram principalmente o inciso 1º do artigo 5º da Constituição, que apresenta homens e mulheres como iguais em direitos e obrigações. “A Constituição só faz alguma distinção em relação aos portadores de deficiência, então esses têm proteção constitucional expressa para cotas”, afirma, ao citar o artigo 37, inciso 8º.
Cotas não são inconstitucionais, mas podem gerar processos na Justiça
No entanto, Marcelo Figueiredo, doutor e professor de Direito na PUC-SP, explica que não há ilegalidade em oferecer cotas em concursos públicos porque, além de estabelecer que todos são iguais perante a Lei, a Constituição também possibilitaria um resgate histórico para compensar injustiças sofridas no ado por determinados grupos de pessoas.
“O artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal diz que o objetivo fundamental da República é a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de discriminação, então há conexão com o tema das cotas”, aponta, citando ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu — durante julgamento da ADPF 186 sobre cotas étnico-raciais, em abril de 2012 —, que essa política é constitucional.
Portanto, segundo Figueiredo, o que deve ocorrer é a verificação do percentual das cotas para que não seja “exagerado”, violando o princípio da razoabilidade. E “a pessoa ou associação que se sentir incomodada ou prejudicada deve mover um processo a respeito”, orienta.
Cotas, sozinhas, não garantem igualdade de oportunidades
Embora considerada constitucional, a política de cotas não cumpriria o papel de garantir igualdade de oportunidades, pois, segundo a professora e advogada constitucionalista Vera Chemim, isso depende de ações de médio e longo prazo.
Em sua análise, Vera, que é mestre em istração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que, para corrigir o problema, são necessárias políticas que visem o preparo real das pessoas em vulnerabilidade social para o mercado de trabalho. “E os gestores públicos não têm realizado projetos nessa direção”, destaca.
Ainda de acordo com ela, saúde e educação são os fatores essenciais para que as pessoas estejam aptas a trabalhar e contribuir para o crescimento econômico do país, pois “políticas afirmativas (apenas!) não são eficazes!”, garante a especialista.
Estudos de Sowell em países com cotas mostram resultados alarmantes
Inclusive, a história mostra resultados negativos do incentivo às cotas e da falta de políticas de médio e longo prazo, como demonstrado por Thomas Sowell no livro Ações Afirmativas ao Redor do Mundo, publicado em 2016.
Na obra, o autor afirma que cotas raciais em universidades e empregos dos Estados Unidos geraram ressentimentos e beneficiaram a elite dos grupos minoritários. Situação semelhante, segundo ele, foi percebida em países como a Índia, onde cotas para castas inferiores resultaram em tensões sociais, também beneficiaram elites das castas e ainda causaram dependência política.
Sowell também apresentou o caso da Malásia, com cotas que favoreceram uma elite política, desincentivaram o esforço pessoal e geraram fuga de talentos do país. Já no país asiático Sri Lanka, ele informa que as cotas nas universidades aumentaram as tensões étnicas, contribuindo para décadas de guerra civil.
“Seus estudos mostram que, apesar das boas intenções declaradas, essas políticas frequentemente geram efeitos colaterais negativos, distorcem o mérito e ampliam divisões sociais”, finaliza o historiador Isaías Lobão.
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